sexta-feira, 1 de outubro de 2021

O Bolsonaro levou os brasileiros a viverem no período bosolítico, na era do povo lascado


 Mil dias de governo de um presidente como Jair Bolsonaro parecem uma eternidade. Em contraste, foi rápida a queda do véu eleitoral do candidato da “nova política”, inimigo da corrupção e liberal empedernido e a volta à realidade de um político sedento de poder, autoritário e corporativista da velha guarda, envolto em suspeitas de “rachadinhas” com seus filhos e ex-esposa.

Inscreva-se no Canal Francisco Castro Política e Economia

Bem no início de seu governo, Bolsonaro anteviu sua obra: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, disse. “Para depois começarmos a fazer” (17-3-2019). O capítulo da destruição segue avançado e inconcluso.

O presidente abriu seu mandato eliminando o Ministério da Cultura, hoje apêndice do Turismo, e seguiu em frente rumo à aniquilação da educação. As escolhas pessoais dos ministros da área seriam folclóricas, se não fossem letais.

O primeiro deles, Ricardo Vélez Rodríguez, durou três meses, tempo bastante para mostrar sua bizarra incapacidade para o cargo, sabujice e, claro, falta de educação. Um mês após assumir ordenou aos diretores de escolas que filmassem os alunos cantando o Hino Nacional e citando o lema da campanha eleitoral de Bolsonaro. Será lembrado pela entrevista à revista Veja, revelando ternura pelos cidadãos do país. “O brasileiro viajando é um canibal”, disse. “Rouba coisas do hotel (…), acha que sai de casa e pode carregar tudo”. A associação entre roubo e canibalismo é pouco frequente.

Seu sucessor, o indescritível Abraham Weintraub, inapto para o trabalho e hoje em uma sinecura bem-remunerada no Banco Mundial, achou que sua tarefa era agredir supostos inimigos do governo. “Botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, disse, e saiu às pressas do país.

O atual ministro, Milton Ribeiro, assumiu em plena pandemia e só deixou traços de sua presença quando resolveu dar palpites, como o de que as universidades, por meio do pensamento existencialista, incentivam sexo “sem limites”. Ribeiro esteve ausente o tempo todo e nenhuma grave questão do ensino, entre muitas – ensino à distância, reabertura das escolas, etc – mereceu sua atenção.

Da educação, uma unanimidade, depende o futuro do país, e o país, com Bolsonaro, retrocedeu. O presente, que continua sendo a pandemia e quase 600 mil cadáveres, foi igualmente desprezado. Bolsonaro trocou ministros no auge da mortandade e nomeou um neófito, o general Eduardo Pazuello, um desastre anunciado.

O governo recusou-se a comprar vacinas, enquanto uma rede de aproveitadores, com conexões em um ministério repleto de militares, tentou extorquir dinheiro com esquemas malandros de obtenção de vacinas, como revelou a CPI. Bolsonaro até hoje diz que o kit covid é eficaz, ao contrário das vacinas, das quais desconfia, e que houve supernotificação das mortes por covid-19 nos hospitais.

Na economia, após uma reforma da previdência que já vinha andando do governo anterior, o liberalismo fake do presidente fez estrago. O ministro Paulo Guedes tentou com sua PEC Emergencial (5 de novembro de 2019) fazer três reformas em uma – só criou confusão sobre as prioridades e a PEC foi tosqueada pelo Congresso. O ministro tornou-se cabo eleitoral de Bolsonaro, e a economia segue o ritmo de cágado herdado, sem que suas ações tenham feito diferença relevante.

Bolsonaro mal completou três semanas no cargo até que viessem à tona depósitos de R$ 24 mil na conta da primeira dama, feitos pelo amigo miliciano Fabrício Queiroz, envolvido em processo de ‘rachadinhas’ que tem como protagonista Flavio Bolsonaro – investigação semelhante é feito sobre o vereador Carlos Bolsonaro. Ao mesmo tempo, descobriu-se o laranjal do PSL, com suspeitas sobre o ministro do Turismo, Marcelo Antônio. Em vez de afastá-lo, Bolsonaro ejetou do governo o ministro da Justiça, Sergio Moro, que impediu Lula de concorrer contra Bolsonaro.

Após ataques sem parar contra a democracia, culminando com as manifestações de 7 de setembro, Bolsonaro tem à frente popularidade em declínio, inflação em alta, perspectiva de crescimento medíocre e uma crise hídrica grave.

Inscreva-se no Canal Francisco Castro Política e Economia

Abraçado às forças do atraso no Congresso, o presidente, que prometeu acabar com a reeleição, só pensa nisso e afirmou: “Eu sempre fui do Centrão”. Sua piromania na Amazônia e em outros biomas impede o Brasil de se engajar em outra agenda do futuro.

Em retrospecto há poucas coisas a comemorar e uma é certa: Bolsonaro foi impedido de fazer quase tudo o que pretendia. Mas não desistiu ainda.

Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho. Angela Dannemann é superintendente do Itaú Social. Ricardo Henriques é superintendente executivo do Instituto Unibanco. Publicaram artigo (Valor, 28/09/2021) apresentado um diagnóstico do estado lastimável da Educação brasileira sem política pública coordenadora do MEC.

Estamos vivendo neste segundo semestre de 2021, pela primeira vez durante a pandemia, um momento de mais esperança na educação pública brasileira. Finalmente as escolas abriram as portas para a retomada gradual do ensino presencial, depois de um período marcado por perdas, incertezas e, principalmente, pelo aprofundamento das desigualdades. Agora temos de nos unir em torno de estratégias que acelerem a recuperação da aprendizagem para que nossas crianças, adolescentes e jovens possam ter oportunidades de um futuro mais próspero, apesar da crise que ainda estão vivenciando.

A pandemia interrompeu os avanços em curso no Brasil. Enquanto escolas de países como Alemanha, Reino Unido e França ficaram apenas três meses fechadas, o Brasil é um dos países que por mais tempo funcionou apenas com o ensino remoto: 13 meses. O resultado disso é a perda de aprendizagem e o aumento no risco de abandono e evasão. O gap educacional será sentido ao longo de décadas na economia, podendo levar a uma perda de renda futura dos jovens de até R$ 40 mil por indivíduo, de acordo com levantamento do Instituto Unibanco e Insper. O mesmo estudo aponta que, durante a pandemia, os alunos do 3o ano do Ensino Médio, por exemplo, tiveram uma perda de aprendizagem estimada em 74%.

O cenário delineado por pesquisa do Datafolha, realizada a pedido do Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), também trouxe números preocupantes em relação à alfabetização. Os responsáveis disseram que os estudantes matriculados nos três primeiros anos do Ensino Fundamental não aprenderam nada de novo (29%) ou desaprenderam o que já sabiam (22%).

Ao entrar nesta nova fase da educação na pandemia, precisamos estabelecer um pacto nacional em prol da equidade, considerando todas as perdas dos grupos mais vulneráveis. Enquanto no Brasil 40% dos estudantes não estão evoluindo nos estudos, estão desmotivados e podem desistir da escola, esse índice é ainda maior quando falamos de negros (43% versus 35% para brancos); matriculados em área rural (51% versus 39% urbana); localizados na região Nordeste (50% versus 31% região Sul) e escolas de baixo nível socioeconômico (43% versus 33% escolas com alto nível).

Apesar de assustadores, os impactos poderiam ter sido piores se não fossem os esforços das redes de ensino para a continuidade do aprendizado. É preciso destacar o importante papel dos professores, o maior vínculo entre alunos e escola, que buscaram se adequar às novas tecnologias para propor atividades que prendessem a atenção dos estudantes.

Por falar em tecnologia, este foi o principal legado da pandemia e que seguirá sendo a base das estratégias para recuperação da aprendizagem. O ensino híbrido é uma realidade hoje e no futuro. Governos estaduais estão planejando ampliar atividades de ensino remoto e já aperfeiçoaram suas plataformas. De acordo com o IEAD (Índice de Ensino a Distância), elaborado pela Rede de Pesquisa Solidária, os Estados tiveram uma nota de 2,7 em 2020 e 5,2 neste ano. É evidente que Estados mais ricos tiveram programas de ensino remoto mais ambiciosos. Sem uma estratégia coordenada pela esfera federal, o socorro fiscal a Estados mais pobres ficou prejudicado, o que poderia ter evitado o crescimento de desigualdades regionais.

A mesma fragilidade ocorre nas redes municipais. Estudo do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostrou que as escolas municipais tiveram piores condições no ensino híbrido. Enquanto 72,8% das escolas estaduais ofereceram aulas ao vivo, por exemplo, apenas 31,9% das redes municipais fizeram uso deste recurso. Por isso, é urgente articular a implementação de políticas públicas de acesso à internet para a educação. Uma destas políticas recentes, aprovada pela lei 14.172/21, encontra dificuldades na liberação de R$ 3,5 bilhões para contratação de serviços de internet e compra de equipamentos (celulares e tablets) para as redes.

Além da conectividade, há outras estratégias fundamentais para a retomada, como a busca ativa escolar, considerada como prioridade por 60% das redes municipais, segundo o último levantamento da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação). Ela tem como objetivo apoiar os governos na identificação de crianças e adolescentes fora da escola, rematriculá-los e acompanhá-los para garantir a permanência do vínculo escolar. Temos ainda que continuar apoiando os gestores escolares e professores em estratégias de flexibilização curricular, na formação dos profissionais e nas avaliações diagnósticas dos estudantes, apoiando o acolhimento pós-retorno, o planejamento de estratégias de recuperação e a aceleração de aprendizagens.

Temos que destacar ainda que, mesmo com o avanço da vacinação, a pandemia não acabou. É imprescindível manter protocolos de segurança com o uso correto de máscaras, priorização de ambientes bem ventilados, limites de distanciamento e rotinas de higienização. Medidas, que devem ser continuamente discutidas pela comunidade escolar.

Nesse sentido, governos precisam garantir as condições de implementação desses protocolos nas escolas, tanto com recursos financeiros e técnicos, quanto pela articulação com os órgãos de saúde. Parceiros no território do entorno da escola, como organizações sociais e equipamentos públicos de cultura e esporte, podem ser aliados nesse processo, permitindo ainda oferecer uma educação integral, que contemple as necessidades cognitivas, mas também físicas, sociais e emocionais dos estudantes.

Ao passo que as escolas garantam um ambiente sanitário seguro, é preciso se preocupar com o acolhimento dos profissionais da educação, dos estudantes e das famílias, que passaram por uma alta sobrecarga psicológica, porém, trarão na bagagem descobertas pessoais e aprendizados além de qualquer currículo escolar. Este segundo semestre será determinante para o Brasil como um todo e não podemos mais adiar o processo de recuperação das perdas de aprendizagem. Os impactos da pandemia foram cruéis, mas não irreversíveis, desde que todos nós ajamos coletivamente. (do Blog Cidadania e Cultura)

Nenhum comentário:

Postar um comentário