Bolsa Família ajuda, mas entrada no mercado de trabalho exige ainda mais _ Brasil _ Valor Econômico (22/02/23)
Quase 45% das primeiras crianças beneficiadas pelo Bolsa Família conseguiram, já na juventude, pelo menos algum acesso ao mercado de trabalho formal, mostra um estudo inédito do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds) e antecipado com exclusividade ao Valor.
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O trabalho acompanha os dependentes das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família em 2005, que tinham entre 7 e 16 anos naquele ano, e identifica a presença dessas mesmas pessoas nos indicadores dos anos de 2015 a 2019 da Relação Anual de Serviços Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho.
A RAIS lista os trabalhadores com carteira de trabalho assinada no país e foi definida, no estudo, como indicador de inclusão produtiva e mobilidade social. A escolha pelo ano de 2019 se deu para evitar influência da pandemia.
Os dados mostram: municípios com melhores indicadores em áreas como educação, saúde e saneamento nos anos 2000 registraram maior participação de seus jovens no mercado de trabalho formal. Os pesquisadores apontam a necessidade de políticas sociais mais complexas para complementar a ação dos programas de transferência de renda.
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“Todos receberam o mesmo Bolsa Família, mas os jovens com maior acesso ao mercado formal foram aqueles originários de municípios que tinham condições iniciais melhores em educação, saúde e saneamento, por exemplo”, afirma o economista Paulo Tafner, diretor-executivo do instituto.
Mais do que uma avaliação do programa de transferência de renda em si, o diretor de pesquisas do Imds, Sergio Guimarães Ferreira, diz que o trabalho quer mostrar a dinâmica da inclusão produtiva e mobilidade social das crianças nascidas em famílias pobres.
“Essa é a única base de pobres observados ao longo do tempo, a partir do Cadastro Único. E queremos olhar o que acontece com a criança que nasceu pobre. Olhamos dados externos para caracterizar, no momento do início do processo, o território dessas crianças que estamos acompanhando ao longo do tempo”, diz Ferreira.
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Tafner argumenta que as conclusões do estudo apontam para a compreensão de que o investimento em capital humano é a ação com potencial de gerar mobilidade para os pobres. Um programa de transferência de renda como o Bolsa Família, defende ele, não é capaz, sozinho, de “dar soluções para o pobre migrar em termos de mobilidade social”.
“A transferência de renda é um item, mas não é tudo. São necessárias políticas públicas mais complexas para a saída estrutural da pobreza. É preciso garantir que, superada essa etapa de risco de miserabilidade, as crianças adquiram capacidades para quando adultos terem uma boa inclusão produtiva e não reproduzirem a pobreza”, diz o diretor-executivo do Imds.
Com 25 anos, Marília Gabriela dos Santos Silva foi uma das beneficiadas pelo Bolsa Família no fim dos anos 2000 e início da década de 2010. Sua mãe engravidou dela aos 17 anos e abandonou os estudos para cuidar da filha e trabalhar para manter a família, já que o namoro com o pai da criança durou pouco e ele nunca pagou pensão.
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Hoje, Silva é formada em gestão de políticas públicas na Universidade de São Paulo (USP), faz mestrado na universidade e trabalha como assessora parlamentar na Câmara de Vereadores de São Paulo. Ela destaca a bolsa que conseguiu em uma escola particular de Taubaté (SP) no ensino médio, que lhe permitiu enxergar novas oportunidades para seu futuro.
“Acho que a maior diferença é ter perspectiva de futuro. Quanto mais as coisas iam se abrindo, mais eu acreditava que podia ir além. Com essa bolsa, tive acesso a uma educação de qualidade. Não dá para pensar em sair da condição de pobreza só a partir de programas de transferência de renda”, diz ela, que incentivou a mãe a retomar os estudos, o que a permitiu concluir o ensino médio ano passado.
Para o professor do Insper e da Universidade de São Paulo (USP) Naércio Menezes Filho, “é uma surpresa positiva que uma parte significativa” das crianças dependentes de famílias beneficiárias do Bolsa Família consegue sair da pobreza e entrar no mercado formal. Ele destaca, no entanto, as diferenças regionais “importantes”.
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Enquanto na média brasileira 44,7% das crianças acompanhadas no estudo foram encontradas pelo menos em algum momento na RAIS, esta fatia é de apenas 30,1% na região Norte e 36,6% no Nordeste. Em contraponto, as taxas são de 59,4% no Sul, 54,8% no Sudeste e 53,1% no Centro-Oeste.
O nó do problema, para o economista, está na educação, em que municípios e Estados muitas vezes não têm condições de oferecer qualidade. Falta a uma parcela deles, diz, fatores como capacidade de gestão, práticas de avaliações para melhorar o aprendizado e políticas educacionais baseadas em evidências. “Precisaria ter um sistema nacional de educação, parceria do governo federal para ajudar esses municípios e mesmo as redes estaduais, que sozinhos não conseguem dar conta”, afirma.
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