O governo Lula só começa em janeiro, mas o presidente eleito já tem uma boa amostra do que é trabalhar com um Orçamento desconectado da realidade. É consenso que a proposta orçamentária para 2023 enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso é uma peça de ficção, que não contempla todas as necessidades da administração para o próximo ano – razão pela qual terá que ser revista.
Mas a cada dia fica mais nítido que a previsão de 2022 também está descolada do mundo real. Bolsonaro chega à reta final do seu governo com o País em colapso orçamentário, com serviços e projetos sendo paralisados por falta de verba e um consequente desmonte de políticas públicas. A atual gestão simplesmente não tem dinheiro em caixa para os gastos dos ministérios em dezembro.
Os problemas orçamentários com impacto direto na vida dos cidadãos podem chegar inclusive a despesas obrigatórias, como o pagamento dos aposentados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O governo ainda não sabe como quitar a última folha do ano. Na Saúde, o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) já está comprometido: não há dinheiro para a compra de insumos e equipamentos.
No Farmácia Popular, programa do governo federal que disponibiliza à população medicamentos para doenças crônicas, começam a faltar remédios para diabetes, asma e hipertensão, além de contraceptivos e fraldas geriátricas. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que atua em pesquisa e produção de vacinas, também está sem dinheiro. A instituição é a responsável pela autossuficiência do País em vacinas para o Calendário Básico de Imunização do Ministério da Saúde, e produz, entre outros, imunizantes contra a Covid-19 e a poliomielite.
Na Educação, como se já não bastasse o racionamento de merenda escolar, com crianças tendo que dividir um ovo ou tendo as mãos literalmente carimbadas para não repetir o prato, universidades federais estão sem dinheiro até mesmo para contas de luz e água. Também não há verba para o pagamento de 200 mil bolsas a estudantes e de salário a 14 mil médicos residentes. Na semana passada, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informou que as contas da instituição operam no negativo e que não tem como realizar qualquer pagamento.
Está inviabilizada inclusive a quitação dos salários de 900 profissionais extraquadros do complexo hospitalar da universidade – do qual fazem parte o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, maior do estado do Rio em volume de consultas ambulatoriais, e a Maternidade Escola, terceiro maior centro do mundo no tratamento da doença trofoblástica gestacional, um tipo de tumor que pode evoluir para o câncer de placenta. Também não há dinheiro para abastecer as ambulâncias.
No início desta semana, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) informou que recursos já empenhados para este mês foram retirados de sua conta, o que afeta o pagamento de todas as bolsas e auxílios, além de contratos de terceirizados e de serviços básicos. Situações semelhantes se repetem País afora.
No Meio Ambiente, órgãos de fiscalização como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) estão sem recursos e podem ter as atividades totalmente paralisadas, o que vem coroar uma gestão que desde o início não demonstrou nenhum comprometimento com a causa ambiental. Já no Ministério da Justiça, a Polícia Federal (PF) chegou a suspender a emissão de passaportes, e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) limitou os serviços de manutenção das viaturas.
O Orçamento fictício de 2022, que tem se mostrado absolutamente insuficiente para garantir o funcionamento da máquina pública, foi gestado no gabinete de Paulo Guedes, ministro da Economia. Enquanto a gestão Bolsonaro segue patinando na busca de uma solução emergencial para resolver a questão das contas a pagar, a equipe de transição de Lula se antecipou e já conseguiu avançar na tentativa de recolocar o País no mundo da realidade com um Orçamento factível para 2023.
Na quarta, dia 7, o Senado aprovou, em dois turnos, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Transição, que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e 2024, para assegurar o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 e que libera espaço orçamentário para outras despesas. “O esforço do presidente eleito com a aprovação da PEC 32/22 é oferecer ao País solução de estabilidade e perenidade na economia e nas políticas sociais”, diz o senador Jacques Wagner, encarregado por Lula para negociar a aprovação da proposta junto ao Congresso. “Não estamos apressados, mas atrasados e em dívida com os milhões de brasileiros mais carentes”. O texto agora segue para a Câmara e, para ser aprovado, precisa do aval de pelo menos 308 deputados. A expectativa é de que a proposta seja posta em discussão nos próximos dias.
Recomposição
Com o espaço de R$ 105 bilhões aberto no Orçamento de 2023, a equipe do presidente eleito trabalha por uma recomposição de gastos que priorize a área social: além do Bolsa Família e de um adicional de R$ 150 por criança até seis anos, quer sustentar reajuste acima da inflação para o salário mínimo e recompor programas como o Farmácia Popular, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Minha Casa, Minha Vida.
Para o Farmácia Popular, a previsão orçamentária de Bolsonaro para 2023 é de R$ 1 bilhão – menos de metade do valor reservado para este ano, de R$ 2,48 bilhões. Lula tem dito que, no âmbito do SUS, pretende ainda dar especial atenção também ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), para que a população retome a confiança nas vacinas.
Para se ter uma ideia da bomba que a equipe de Lula tenta desarmar, a proposta orçamentária que Bolsonaro enviou ao Congresso para o próximo ano prevê, na Saúde, R$ 16 bilhões a menos do que o valor destinado em 2022. Para completar o quadro desolador, a equipe de transição de Lula enfrenta um apagão de dados – informações vitais para o planejamento de uma agenda foram colocadas sob sigilo pelo atual governo.
Até agora, a equipe não teve acesso a estoques e prazos de validade de vacinas e medicamentos. Para a Educação, o atual governo previu para 2023 um orçamento R$ 15 bilhões abaixo do mínimo necessário para o básico funcionar. Estão em risco o fornecimento de merenda, a distribuição de livros didáticos e o transporte escolar, entre outros.
A verba destinada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar vai para o quinto ano sem reajuste, e prevê R$ 0,53 por dia por aluno na pré-escola e R$ 1,07 para crianças em creches. Isso num contexto de inflação elevada e de agravamento da fome, que afeta 33 milhões de pessoas.
Além de dar condições para que o Governo Lula possa garantir o funcionamento da máquina pública no próximo ano, a PEC da Transição pode servir para ajudar Bolsonaro a pagar contas. Depois de negociações entre líderes do Congresso e o PT, o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB), deixou brecha para que a proposta também possa abrir espaço no Orçamento de 2022.
No trecho que permite investimentos adicionais quando houver receitas extraordinárias, foi alterada previsão da medida apenas a partir de 2023. Por mais irônico que seja, Lula, que ainda nem subiu a rampa do Palácio do Planalto, no momento faz mais pelo País do que o presidente Bolsonaro, que segue calado e isolado desde que perdeu a eleição.
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