sábado, 26 de novembro de 2022

Religião causa mais felicidade ou infelicidade?


Célia de Gouvêa Franco (Valor, 04/11/22) resenha o livro do historiador inglês Peter N. Stearns. Por meio de entrevista ele procura responder se e como o conceito de felicidade mudou ao longo dos anos e se tornou agora globalizado.

O que é felicidade? Fatores como renda, religião, tendência política, sexo, país onde se vive ajudam ou não uma pessoa a ser mais feliz?

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Questões como essas são analisadas por estudiosos dos mais variados campos do conhecimento e matizes há séculos – é só lembrar os filósofos gregos. Levantamentos indicam que é enorme o interesse pelo tema, como se mostra, por exemplo, pelo grande e duradouro sucesso de vendas de livros que tentam ensinar como ser – mais – feliz, seja com cuidados da saúde, seja com dicas de como ganhar dinheiro. Ou pelo sucesso de cursos dados por universidades sobre a matéria.

Com novos instrumentos de pesquisa, a felicidade passou, mais recentemente, a ser também um tema econômico, com centenas de economistas se dedicando a estudar o que torna pessoas e países mais felizes, como medir a felicidade e debatendo se o dinheiro aumenta ou não a sensação de bem-estar e a partir de quais valores a renda deixa de ser um fator relevante.

Mais um ingrediente interessante foi acrescentado a esse panorama de debates com o lançamento nos Estados Unidos, em dezembro de 2020, do livro “História da Felicidade”, do historiador inglês Peter N. Stearns, que a editora Contexto (tradução de Roberto Cataldo, 368 págs., R$ 79,90) acaba de publicar no Brasil, com prefácio do também historiador e best-seller Leandro Karnal.

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Stearns procura responder se e como o conceito de felicidade mudou ao longo dos anos e se tornou agora globalizado. O que um chinês de hoje considera essencial para ser feliz é o mesmo que uma holandesa ou um hindu do século XV ou um brasileiro dos anos 1950?

Stearns, que diz se considerar feliz a maior parte do tempo, desenvolveu uma longa carreira como professor e escritor nos Estados Unidos, depois de ter estudado em Harvard. Agora, aos 86 anos, ele continua atuando como professor na Universidade George Mason, no estado da Virgínia.

Escritor profícuo, dedicou parte relevante das suas pesquisas e publicações a temas que até recentemente eram pouco estudados por historiadores, como a sexualidade e a infância na história do mundo – um dos seus livros tem o título curioso de “A história da vergonha”. Perfeitamente adaptado à era das comunicações ultrarrápidas, Stearns não demorou nem duas horas para responder às perguntas enviadas para ele (veja a entrevista abaixo).

Não é de se estranhar que tantos estudiosos tenham voltado seus olhos para destrinchar a tal da felicidade. Pesquisas mostram que mais pessoas se dizem infelizes. A empresa de pesquisas (quase centenária) Gallup começou a pesquisar a infelicidade global em 2006 – as perguntas feitas em mais de 100 países se referem a emoções negativas como estresse, tristeza, raiva, preocupação e dor física.

No ano passado, esses indicadores bateram recorde. Quando consultadas, 28% das pessoas disseram que tinham experimentado muita tristeza no dia anterior, a maior porcentagem já levantada pelo Gallup. E 42% informaram que tinham ficado muito preocupadas na véspera, comparadas com 40% registrados em 2020.

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O leitor de “História da felicidade” é levado a conhecer cronologicamente as mudanças na busca e na concepção do que é feliz e como fatores os mais diversos ajudam ou atrapalham na busca da felicidade. Um dos fatores importantes na percepção de que as pessoas de forma geral se sentem mais felizes hoje do que há 200 ou 300 anos (embora não existam, obviamente, pesquisas de opinião feitas naquelas épocas) foram as mudanças na incidência e experiência de morte.

Está, claro, muito bem documentado que as pessoas vivem muito mais atualmente, o que ajuda a terem mais tempo para ver filhos e netos – um fator importante na sensação de felicidade. Além disso, o índice de morte de crianças caiu de forma dramática, contribuindo para que adultos não tenham mais que conviver com o trauma extremamente doloroso de perder filhos ainda na infância.

Os capítulos que mais me interessaram foram os que trataram das revoluções recentes provocadas pelos “novos” conceitos de felicidade ao longo do século passado e neste início dos anos 2000, com o impacto das guerras, pandemias, desenvolvimento econômico e social, redução e retomada do interesse pela religião em muitos países.

Seguindo a tendência de analisar a felicidade também com os métodos da economia, Stearns dedica parte do seu livro às pesquisas desenvolvidas por dezenas de institutos com seus questionários detalhistas sobre ser ou não feliz e o que aumenta ou diminui essa sensação.

Na tabela apresentada no livro a partir de uma pesquisa encabeçada pelos economistas John Helliwell e Jeffrey Sachs, os cinco países que lideram o relatório mundial da felicidade são Finlândia, Dinamarca, Islândia, Suíça e Holanda. O Brasil aparece em 38o lugar, bem acima de nações mais ricas como Japão e China, e os dois últimos na listagem de 146 países são Líbano e Afeganistão.

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Essa “classificação” de países mais ou menos felizes leva Stearns a explorar outro tema interessante – iniciativas de governo para promover a felicidade da população. É bastante conhecido o exemplo do Butão, onde começou-se a medir uma tal de Felicidade Interna Bruta, que levaria em consideração fatores espirituais, sociais e ambientais. Menos divulgada por aqui foi a criação pelo governo dos Emirados Árabes Unidos de um Ministério da Felicidade, em 2016. Na época, a primeira pessoa escolhida para tocar o ministério, Ohood Al Roumi, disse que a felicidade era uma ciência e o ministério instalou “medidores de felicidade” em locais de trabalho e policiais passaram a distribuir distintivos de bem-estar aos bons motoristas… Apesar disso, o país se saiu bem no relatório mundial de felicidade, no 24o posto.

A seguir, a entrevista com Stearns:

Valor: Em seu livro, o senhor analisa em profundidade o papel das crenças religiosas na felicidade. Atualmente, em alguns países, como os EUA e o Brasil, o debate sobre princípios religiosos tem contribuído para criar diferenças muito profundas na política e no tecido social. Podemos concluir que a religião causa mais infelicidade do que felicidade?

Peter Stearns: Realmente difícil. Sim, a religião pode causar grande infelicidade quando causa conflito, limita a liberdade (veja o Irã hoje), ou em uma base mais pessoal causa medo de condenação. Mas, para muitos indivíduos, a religião também fornece esperança, propósito e um senso de comunidade. Então eu acho que a pergunta é impossível de responder. A maioria dos estudos contemporâneos sugere que dentro de uma determinada sociedade as pessoas religiosas são mais felizes do que as não religiosas (senso de comunidade, às vezes melhores hábitos pessoais), mas muitas das sociedades mais felizes (Finlândia etc.) são bastante seculares. Mais uma vez, ótima pergunta, vale a pena discutir, mas não tenho uma resposta definitiva.

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Valor: Como o senhor avalia as pesquisas que indicam que você não precisa ser bilionário para ser feliz?

Stearns: Eu procuro entender sem questionar. Um certo nível de prosperidade é vital para a felicidade nas sociedades modernas, tanto para países inteiros quanto para indivíduos. Mas, depois de um certo ponto (bem abaixo do nível do bilionário), já não há correlação entre felicidade e renda.

Valor: O senhor acredita que é possível aprender a ser feliz?

Stearns: Sim, até certo ponto. Há circunstâncias em que as condições são tão ruins que o esforço pessoal não ajuda. E acho que há perigo em movimentos contemporâneos como a psicologia positiva, que podem sugerir que a felicidade depende inteiramente do indivíduo. E existem diferenças genéticas – algumas pessoas “nascem” mais felizes que outras. Mas certamente há alguns hábitos que podemos aprender que promoverão maior felicidade.

Valor: E, finalmente, o senhor se considera feliz? E o que o faz feliz?

Stearns: Sim, em geral (me considero feliz). Eu tendo a ser bastante otimista (um pouco difícil agora, devido aos eventos mundiais). Tive uma carreira bastante bem- sucedida e tenho filhos que estão indo bem e netos que parecem estar indo na direção certa. E também acho importante não se preocupar em ser feliz com muita frequência, apenas tente ser útil – ironicamente, a pessoa será mais feliz assim.

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