Hospital Militar de Área de Manaus, que reserva vagas para atender militares e familiares contra covid Imagem: Reprodução
Em janeiro, quando Manaus colapsou pela segunda vez, Paulo José dos Santos Fontenelle começou a sentir sintomas de Covid-19. Tinha 49 anos, era obeso e trabalhava como motorista de aplicativo. Preocupado, ele foi até uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), mas recomendaram que ficasse em casa porque todos os hospitais estavam lotados. Em pouco tempo, veio a falta de ar. Sua família comprou um cilindro de oxigênio e passou a ligar diariamente para os hospitais em busca de leitos, mas não havia nenhum. No dia 18, depois de pedir em vão uma ambulância para o SAMU, os irmãos de Fontenelle decidiram levá-lo de carro à UPA do bairro Tarumã, que ficava perto de casa. Quando chegou lá, ele já não conseguia falar. Os médicos constataram que ele precisa ser intubado urgentemente, mas não conseguiram achar um hospital na cidade onde houvesse vaga de UTI. Deitado no pronto-socorro, sem respirar, Fontenelle morreu horas depois, à 1 da manhã do dia 19.
Naquela segunda-feira, dia 18, os leitos clínicos destinados à Covid na rede pública de Manaus estavam com 106% de ocupação, segundo os dados da Fundação Vigilância em Saúde (FVS), ligada ao governo do estado. Uma fila de 379 pessoas esperava por um leito clínico ou de UTI. Apesar disso, havia espaço de sobra no Hospital Militar de Área de Manaus, administrado pelo Exército. Lá, embora a UTI estivesse lotada, 15 leitos clínicos de Covid estavam vazios. O mesmo acontecia no Hospital de Aeronáutica de Manaus, onde havia 7 vagas de enfermaria. Nenhuma delas, no entanto, poderia atender cidadãos como Paulo José dos Santos Fontenelle. Nem sua família nem o SAMU cogitaram procurar por leitos nessas unidades. Isso porque os dois hospitais, como quase todos os das Forças Armadas, são de uso exclusivo dos militares e suas famílias, embora pagos com dinheiro do contribuinte.
Levantamento feito pela piauí com base em dados do orçamento federal mostra que, em 2020, o Ministério da Defesa empenhou 3,3 bilhões de reais na operação de seu sistema hospitalar. Em 2019, haviam sido empenhados 3,2 bilhões. O grosso do dinheiro serviu para custear unidades de saúde do Exército, e o restante se dividiu entre Marinha, Aeronáutica e o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Além desse orçamento bilionário, a Defesa teve direito a um crédito extra de 531 milhões de reais para o combate à pandemia, dos quais 511 milhões já foram usados. Parte desses recursos também foi investida em hospitais militares, como o de Manaus. Outra parte, como a piauí mostrou em dezembro, foi usada pelo Ministério da Defesa para comprar camionetes e fazer a manutenção de aviões.
As Forças Armadas têm 42 hospitais militares espalhados por todas as regiões do país. Segundo o Ministério da Defesa, eles atendem exclusivamente a 1,8 milhão de membros da “família militar” – grupo que compreende os militares da ativa, inativos, pensionistas, seus dependentes e servidores civis ligados às Forças. Os militares contribuem todo mês para manter esse sistema de saúde, mas o restante do dinheiro provém do governo federal. (…)
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