CONLUIO Salles visita no Pará uma fazenda de madeira ilegal pertencente ao clã de Walter Dacroce (de chapéu), suspeito de comandar a grilagem na Amazônia: investigação da PF concluiu que o ministro participou da organização criminosa (Crédito: Divulgação)
Da Isto É:
Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) investigam a ligação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com integrantes da família de Walter Dacroce, suspeita de grilagem de terras públicas no Pará e que foi uma das fontes que abasteceram a empresa Rondobel Madeiras Ltda, proprietária de parte dos 200 mil metros cúbicos de madeira ilegal apreendida no Amazonas em novembro do ano passado, avaliada em R$ 130 milhões. Mesmo ciente de que as investigações da PF indicavam que a madeira era fruto de fraudes e de desmatamento ilegal, o ministro foi ao local nos dias 31 de março e 7 de abril deste ano defender os criminosos. Salles chegou a descer de helicóptero do Ibama em uma das fazendas dos Dacroce usadas na extração ilícita de pelo menos 43 mil toras cortadas irregularmente, como demonstração de apoio aos exterminadores das florestas. Isso levou o delegado federal Alexandre Saraiva, responsável pela investigação, a denunciar o ministro ao STF “por advocacia administrativa e por obstar a ação fiscalizadora do Poder Público”. As suspeitas da PF apontam que Salles obteve “vantagens de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais e crimes ambientais”.
ISTOÉ teve acesso aos documentos que embasaram as apurações dos crimes contra o meio ambiente na Amazônia e traz, com exclusividade, quem são os personagens que estão no centro das investigações que colocam o nome de Salles como suspeito de participar de um esquema mafioso de madeira ilegal. Os investigadores da Operação Handroanthus, da PF do Amazonas, estão empenhados agora em destrinchar os laços entre Salles e a família Dacroce, que tomou posse de terras supostamente griladas no Pará, onde ocorreram extrações irregulares de madeira. O principal alvo da investigação é Walter Dacroce, considerado um grileiro profissional. Ele serviria como uma espécie de “agente” que localiza terras devolutas e até de aldeias indígenas, viabiliza a grilagem por meio de parentes, incluindo seus filhos, e abre caminhos para que a madeireira Rondobel explore ilegalmente as áreas ocupadas. A luz amarela se acendeu depois que Walter prestou depoimento à PF. Quem presenciou a oitiva confidenciou que as explicações do infrator foram repletas de incongruências. Ele deu a entender que teria um forte esquema de proteção, incluindo a de autoridades políticas.
Salles chegou a criticar a Operação Handroanthus – nome de uma frondosa árvore amazônica -, em uma viagem que fez no último dia 7 a Santarém (PA), onde a PF apreendeu a carga milionária da madeira ilegal. Lá, o ministro questionou o trabalho da PF, apontou a existência de falhas na ação policial e afirmou, à revelia de perícias, que havia elementos para acreditar que as empresas investigadas não tinham cometido nenhuma ilegalidade. A ida de Salles à região incluiu uma visita à Fazenda Francine II, na Gleba Altamira VI, que está em nome de Francine Cella Dacroce, nora de Walter Dacroce. Nessa propriedade, a PF encontrou parte da madeira ilegal e que foi apreendida numa grande ação policial.
A PF suspeita que Francine seja laranja de Walter, o grande capo do esquema mafioso na Amazônia. Outras propriedades da família também estariam ligadas a Leonir Dacroce, filho de Walter, que chegou a ser candidato a prefeito de Palmitos (SC), em 2016. Quinho, como é conhecido, também foi vereador nessa cidade. Documentos da propriedade mostram Leonir como representante legal de Francine em um termo contratual do Iterpa, o órgão fundiário do Pará. Um dia depois da ida à região, e da visita aos Dacroce, o ministro participou de reunião com empresários do setor madeireiro, fazendo-lhes promessas públicas de que iria liberar as milhares de toneladas de madeiras apreendidas.
“Vantagens de Salles”
Uma semana depois, no último dia 14, o então superintendente da PF do Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, responsável por conduzir as apurações, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o ministro, apontando-o como “integrante, na qualidade de braço forte do Estado, da organização orquestrada por madeireiros alvos da Operação Handroanthus”. Segundo o inquérito, o ministro Salles e o senador Telmário Mota (Republicanos-RR) dificultaram a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais, “assim como patrocinaram interesses privados (de madeireiros) e ilegítimos perante a administração pública, valendo-se de suas qualidades de funcionários públicos (o que afronta vários dispositivos do Código Penal)”. Para a PF, Salles e Mota tiveram por objetivo “obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais de crimes de receptação qualificada e crimes ambientais”. A suspeita da PF é que eles possam ter recebido propinas dos madeireiros
Um dia depois, no último dia 15, após encaminhar a denúncia ao STF, Saraiva foi exonerado do cargo, dando contornos ainda mais nebulosos nesta história envolvendo o ministro com os madeireiros ilegais. A PF investiga também a participação no esquema de funcionários do Iterpa. Afinal, uma lista de onze proprietários de terras de onde as madeiras ilegais podem ter sido retiradas, à qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade (leia os nomes na página 23), tiveram suas fazendas tituladas pelo órgão fundiário do governo paraense.
Em outro trecho da notícia-crime, a PF anexou fotos em que Salles aparece na fazenda dos Dacroce onde estava estocada parte da madeira considerada ilegal. Até mesmo imagens do helicóptero usado pelo ministro na viagem estão incluídas no inquérito. Segundo a PF, as fotografias demonstram o evidente apoio aos criminosos. “A título ilustrativo, pode-se mencionar que o Plano de Manejo Florestal da Fazenda Francine II, de Francine Dacroce, titular de um dos pátios de madeira visitado pelo ministro, apresenta diversas falhas que comprometem todo o Plano de Manejo Florestal, como a omissão e exploração em Áreas de Preservação Permanente – APP”, diz o texto.
Saraiva já apresentou essas imagens, inclusive, em depoimento na Câmara, para afirmar que Salles favorecia madeireiros descaradamente. O delegado foi categórico: “O ministro estaria atuando e favorecendo madeireiros. E isso foi feito de uma forma explícita. Tem vídeo dele apontando para a placa de uma empresa investigada que, segundo ele, ‘estava tudo certinho’, quando, na verdade, já existia em relação a essa empresa até laudo pericial apontando as irregularidades cometidas”. Os investigadores apuram ainda por que foram anuladas multas milionárias em nome de parentes de Walter Dacroce e que foram aplicadas pelo Iterpa e pelo Ibama. Os madeireiros investigados pela PF receberam 20 autos de infração, que resultaram em multas de aproximadamente R$ 8,4 milhões, mas muitas delas foram “perdoadas” pelas autoridades ambientais. Os investigadores querem saber se houve interferência política para essas infrações terem sido anuladas.
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Sob as mesmas suspeitas, a família Christofolli também vem sendo investigada no caso. Pelo menos quatro integrantes do clã chefiado por Amarildo Christofolli aparecem como proprietários de terras citadas na notícia-crime da PF e que foi entregue ao STF e à Procuradoria-Geral da República (PGR) esta semana. Essas terras, de acordo com o inquérito, também estariam com documentação irregular e seriam usadas para grilagem. Na terça-feira, 27, a ministra do STF, Cármen Lúcia, encaminhou a notícia-crime contra Salles para que a PGR se manifeste diante do que, segundo ela, são fatos de “gravidade incontestável”.
Um dia antes, Saraiva prestou esclarecimentos sobre o caso à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em Brasília. Em uma sessão marcada por muito bate-boca, o delegado da PF deu detalhes sobre o grande esquema de grilagem e exploração de terras que deveriam ser protegidas na Amazônia. Ele voltou a afirmar que Salles tornou legítima a ação ilícita dos madeireiros na região e que ele participou ativamente de atos fraudulentos para proteger criminosos. Saraiva disse ainda que o ministro do Meio Ambiente visitou a área para fazer uma “pseudoperícia”. “De 40 mil toras, ele só olhou duas e com base nisso disse que estava tudo em ordem”, afirmou o delegado. “Temos mais de 70% da madeira apreendida que não apareceu dono. Ninguém reivindicou. Isso é uma coisa muito séria. Como é que o ministro diz que estava tudo certo com a madeira ilegal e que a PF é que estava errada?“
Os líderes da oposição na Câmara fizeram uma reunião na mesma terça-feira, 27, para articular a abertura de uma CPI para apurar os eventuais crimes ambientais praticados pelo governo. A bancada tomou a decisão motivada pelo depoimento prestado por Saraiva. O texto para pedir a abertura da CPI deve levar em conta também outras suspeitas de inação de Bolsonaro no combate ao desmatamento. Para que a CPI seja instaurada, é necessário que pelo menos 171 deputados assinem o requerimento. Parlamentares estimam já ter o apoio de 130 deputados. Depois da CPI da Covid no Senado, que pode implodir o governo Bolsonaro em razão do caos sanitário, o próximo drama do presidente será explicar o que segura o ministro do Meio Ambiente no posto, já que ele é um dos responsáveis pelo Pais ter queimado sua imagem no exterior por causa da destruição da Amazônia.
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