Opositores do governo Jair Bolsonaro (sem partido) intensificaram campanhas pelo impeachment do presidente e afirmam que a mobilização social ganhou corpo nos últimos dias, impulsionada pelo colapso da saúde em Manaus e pela reação negativa em relação ao início da vacinação no país.
Movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL (Movimento Brasil Livre), que encabeçaram as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), agora exercem pressão pela saída de Bolsonaro.
Nomes da política à direita e à esquerda, como João Amôedo (Novo) e Fernando Haddad (PT), também aderiram a campanha pelo impeachment nas redes. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada nesta segunda (18), o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto defendeu o impeachment de Bolsonaro.
Juristas e ativistas ouvidos pela reportagem admitem a dificuldade de mobilização pelo impeachment em meio ao distanciamento social imposto pela pandemia, mas veem possibilidade de que, ainda assim, haja movimentação suficiente na sociedade civil para deflagrar o processo.
Outra dificuldade é o alinhamento dos deputados do centrão a Bolsonaro. Nesse sentido, a avaliação dos opositores é a de que o grupo não manterá a fidelidade ao presidente caso o barco esteja afundando.
O candidato do presidente ao comando do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já tem maioria virtual para ser eleito. O aliado de Bolsonaro para a Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disputa votos com Baleia Rossi (MDB-SP), que, apesar de representar a oposição, não se comprometeu a pautar o impeachment.
O Vem Pra Rua inaugurou o site "adeus Bolsonaro" com um placar do impeachment entre deputados e senadores -a ideia é cobrar posicionamento dos parlamentares. O placar conta com 102 deputados a favor do impeachment, 29 contra e 382 indefinidos. São necessários 342 votos para que o processo passe pela Câmara.
O líder nacional do Vem Pra Rua, Rogério Chequer, diz que o sentimento na sociedade passou de descontentamento para revolta.
"A incompetência do governo federal em adquirir vacinas, que ficou patente nas últimas semanas, com a consequência de mais nortes, sofrimento e danos para a economia, agravou a situação de um governo que já vinha andando fora da linha em termos de Estado democrático de Direito", diz.
Na esteira do panelaço visto em diversas capitais do país na sexta-feira (15), o grupo marcou um novo panelaço para sexta (22) e uma carreata para domingo (24) com o mote "fora, Bolsonaro". O MBL também vai aderir ao ato.
"Quem acompanhava a política já tinha ideia de que o governo Bolsonaro não era o que tinha prometido, mas a grande população só foi perceber isso agora", afirma a ativista Adelaide Oliveira, que hoje atua no MBL e não mais no Vem Pra Rua.
Para ela, o principal crime de responsabilidade de Bolsonaro se deu na condução da pandemia, que deixou mais de 200 mil mortos no país.
Líderes de movimentos e grupos de oposição, de artistas e de juristas, afirmam que o assunto voltou à pauta. A hashtag "impeachment Bolsonaro urgente" esteve entre os assuntos principais do Twitter na sexta e foi replicada por políticos de esquerda e de direita.
Presidenciável do Novo, Amoêdo foi um dos que aderiu à campanha nas redes.
"Nenhum país do mundo merece ter um presidente que, no meio de uma pandemia, não comemora o início da vacinação da população", tuitou Amoêdo em uma das mais de 15 vezes em que usou a hashtag.
Ainda no campo da direita, ex-bolsonaristas também pediram nas redes o impeachment do presidente, como os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também foi alvo de pressão para dar andamento a um dos mais de 60 pedidos de impeachment que estão em sua gaveta.
Na sexta, Maia subiu o tom ao dizer que o tema do impeachment, "de forma inevitável, certamente será debatido no futuro". Depois, voltou a afirmar que não é o momento de lidar com um processo de impedimento, e sim com a pandemia.
O presidente da Câmara almoçou e deu declarações a imprensa, na sexta, ao lado do governador João Doria (PSDB), que tem sido uma das principais vozes contra Bolsonaro. Doria chegou a pedir uma "reação" do Congresso ao governo federal e conclamou a população a se manifestar com panelaços, mas evitou usar a palavra impeachment.
Na esquerda, o impeachment foi defendido nos últimos dias por nomes como Ciro Gomes (PDT), Marcelo Freixo (PSOL), Guilherme Boulos (PSOL), além de Haddad. O petista passou a divulgar o placar no impeachment nas redes e compartilhou o endereço de email dos deputados que ainda não se posicionaram.
"Sem impeachment, haverá muito mais mortes. [...] Cada dia importa! O Congresso precisa se reunir já!", tuitou Haddad.
Na sociedade civil, surgiram novas iniciativas pela saída de Bolsonaro. O grupo 342Artes levou uma representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, pedindo que o presidente seja investigado por crime comum por ter boicotado a vacinação no país.
A representação conta com mais de 12 mil assinaturas -entre elas a dos advogados Antonio Claudio Mariz de Oliveira, José Carlos Dias, Celso Antônio Bandeira de Mello. A iniciativa é abraçada ainda por Paula Lavigne, Marieta Severo, Milton Hatoum e Paulo Sergio Pinheiro.
Defendendo a tese de que Bolsonaro praticou rimes de responsabilidade, um grupo de ex-alunos brasileiros de Harvard divulgou uma declaração em que defendem o afastamento urgente do presidente.
"Jair Bolsonaro vem reiteradamente abusando dos poderes inerentes ao cargo de Presidente da República e comete atos atentatórios contra a Constituição Federal em prejuízo da saúde da população brasileira, da institucionalidade dos poderes constituídos e do bem-estar social e econômico do país", diz o texto assinado pelo professor da FGV Joaquim Falcão e outros 13 colegas.
Por fim, ex-alunos da Faculdade de Direito da USP também divulgaram uma carta pelo impeachment -o principal motivo apontado é a conduta do presidente na pandemia.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, afirma que, na comunidade jurídica, já havia um entendimento de que diversas ações de Bolsonaro configuram crime de responsabilidade. Em maio, operadores do direito lançaram o manifesto "Basta!" contra o presidente.
"O tema do impeachment esquentou bastante. Vários setores antes omissos e silentes resolveram subir o tom. A indignação é geral. Na comunidade jurídica, o gatilho de que Bolsonaro pode fazer muito mais mal do que se havia imaginado já tinha sido disparado", afirma.
Carvalho diz ainda ver indicativos de que a tese do impeachment começa a ganhar força, como a redução do índice de popularidade de Bolsonaro e a retração de seu exército digital.
"Está começando a se formar a tempestade perfeita. É preciso um pouco mais de volume de pressão popular", afirma o advogado, admitindo que a pandemia dificulta esse aspecto.
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