quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A recusa do Augusto Aras em abrir processo contra o Bolsonaro tem contestações de juristas e subprocuradores-geral

 


Em resposta a cobranças pela investigação criminal de Jair Bolsonaro na pandemia, a Procuradoria Geral da República disse, em nota, que cabe ao Legislativo responsabilizar “agentes políticos da cúpula dos Poderes”.

No texto, divulgado pela assessoria de imprensa, a PGR diz, sem citar Bolsonaro, que, em razão do estado de calamidade pública, “é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional” e que tem fiscalizado a aplicação dos recursos.

“Neste momento difícil da vida pública nacional, verifica-se que as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia que assombra a comunidade planetária, sendo necessária a manutenção da ordem jurídica a fim de preservar a estabilidade do Estado Democrático”, diz a nota.

Miguel Reale Júnior rebateu a declaração de Augusto Aras de que cabe ao Legislativo responsabilizar “agentes políticos da cúpula dos Poderes”.

O jurista disse:

“Tal como Rodrigo Janot promoveu dois processos criminais contra Michel Temer, o atual procurador-geral da República poderia processar Jair Bolsonaro. É atribuição dele. Não é verdade que a responsabilidade de mandatário é apenas do Legislativo. Augusto Aras nem sequer pensa em processar o presidente porque não quer.”

Contestação de subprocuradores

Seis subprocuradores-gerais da República, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, cobraram de Augusto Aras medidas para investigar e responsabilizar Jair Bolsonaro por crimes comuns, pela sabotagem no combate à pandemia de Covid-19.

Em resposta à nota lançada ontem, em que a Procuradoria Geral da República afirmou que cabe ao Legislativo responsabilizar o presidente por crimes de responsabilidade, os subprocuradores afirmaram, também em nota, que Aras “precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal”.

“Devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo – independentemente de ‘inquérito epidemiológico e sanitário’ na esfera do próprio Órgão [Ministério da Saúde] cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, b e c)”, diz a nota.

Eles também condenaram a afirmação da PGR de que o estado de calamidade pública é a “antessala” de um estado de defesa.

“A defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um “estado de defesa” e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente”, diz a nota dos subprocuradores.

Assinam o texto José Adonis Callou de Araújo Sá, José Bonifácio Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino.

Abaixo, a íntegra da nota lançada pelos subprocuradores:

NOTA


Os Subprocuradores-Gerais da República signatários, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, vêm expressar sua preocupação com a nota publica do senhor Procurador-Geral da República Augusto Aras, divulgada em 20.1.2021, em que Sua Excelência afirma, entre outras coisas, que o “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa” e informa haver requisitado “inquérito epidemiológico e sanitário” ao Ministério da Saúde. Referida nota parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência da Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, I, b e c, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao Procurador-Geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional.

O Brasil enfrenta, desde o início de 2020, grave crise sanitária causada pelo novo Corona Vírus, com vasta repercussão social, econômica e política, tendo a doença já causado a trágica morte de mais de 211 mil brasileiros. A gravidade da pandemia ensejou a união de esforços da comunidade científica, de empresas, entidades estatais e organismos internacionais, para estudos e produção de vacinas, em breve tempo. No Brasil, tivemos a associação de esforços de instituições como Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz, com empresas e entidades de outros países, para desenvolvimento e produção de vacinas.

Contudo, nesse cenário mundial de adoção de medidas de prevenção da propagação da doença e de mobilização de recursos e estudos para produção de vacinas, tivemos no Brasil diferente realidade, que nos conduziu ao agravamento como se verifica, por exemplo, em Manaus, desde a última semana, com o desabastecimento de cilindros de oxigênio, causando mortes de pacientes por asfixia e transferência emergencial de outros para tratamentos em estados diversos.

No Brasil, além da debilidade da coordenação nacional de ações para enfrentamento à pandemia, tivemos o comportamento incomum de autoridades, revelado na divulgação de informações em descompasso com as orientações das instituições de pesquisa científica, na defesa de tratamentos preventivos sem comprovação científica, na crítica aos esforços de desenvolvimento de vacinas, com divulgação de informações duvidosas sobre a sua eficácia, de modo a comprometer a adesão programa de imunização da população. Não bastassem as manifestações de autoridades em dissonância com as recomendações das instituições de pesquisa, tivemos a demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação, circunstância que coloca o Brasil em situação de inequívoco atraso na
vacinação de sua população.

A controvertida atuação do Governo Federal levou o Supremo Tribunal Federal a proferir decisões que reconhecem a competência concorrente e asseguram que os Governos Estaduais e Municipais adotem as medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia, o que evidentemente não exime de responsabilidade o Governo Federal, conforme ampla e claramente
afirmado e reiterado pela Suprema Corte. 

De outro lado, e com a mesma gravidade, assistimos a manifestações críticas direcionadas ao TSE e ao sistema eleitoral brasileiro, difundindo suspeitas desprovidas de qualquer base empírica, e que só contribuem para agravar o quadro de instabilidade institucional. Além disso,
tivemos recente declaração do Senhor Presidente da República, em clara afronta à Constituição Federal, atribuindo às Forças Armadas o incabível papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático em nosso País.

É importante recordar as espécies de responsabilidade dos agentes políticos no regime constitucional brasileiro. A possibilidade de configuração de crimes de responsabilidade, eventualmente praticado por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais.

Nesse cenário, o Ministério Público Federal e, no particular, o Procurador-Geral da República, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo – independentemente de “inquérito epidemiológico e sanitário” na esfera do próprio Órgão cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, b e c).

Consideramos, por fim, que a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um “estado de defesa” e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente.

Brasília, 20 de janeiro de 2021.

José Adonis Callou de Araújo Sá
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro

José Bonifácio Borges de Andrada
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro

José Elaeres Marques Teixeira
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
Subprocuradora-Geral da República
Conselheira

Mario Luiz Bonsaglia
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro

Nicolao Dino
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro

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