Do artigo de Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-Lava Jato, no Globo.
“Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder”, dizia Millôr Fernandes. A ironia de nosso grande escritor e humorista retratava — e retrata ainda — a verdadeira profissão de fé de nossa classe política. Não é à toa que essa frase foi encontrada em uma anotação de Paulo Roberto Costa em uma caderneta que lhe foi apreendida ainda no começo das investigações da Operação Lava-Jato em 2014.
Sintomaticamente, essa anotação estava logo ao lado de uma relação que se descobriu serem de propinas pagas a diversos políticos que apoiaram sua indicação e manutenção na diretoria da Petrobras. Acabar com a corrupção não fazia parte dos seus objetivos ao chegar ao poder na estatal. E certamente a corrupção fazia parte dos procedimentos de quem o colocou lá. Essa talvez seja a verdade maior do nosso sistema político. Ela une políticos e partidos da esquerda e da direita, ela une Lula e Bolsonaro, passando por velhos políticos coniventes que, na melhor das hipóteses, preferiram fingir que não viram a corrupção debaixo de seu nariz.
Enfim, para eles a manutenção do poder vale tudo, especialmente apropriar-se do dinheiro público. Infelizmente, se é que há exceção ao princípio de que o dinheiro público ilicitamente desviado sustenta partidos e políticos, ela só confirma a regra. Agora vem Bolsonaro confirmar o que nós que trabalhamos em grandes operações contra a corrupção já sabíamos: foi o atual presidente um dos responsáveis principais pelas tentativas de acabar com a Lava-Jato e o combate à corrupção que ela representa. E isso não são minhas palavras, mas as do próprio presidente ao se vangloriar que acabou com as investigações porque, pasmem, em seu governo não há corrupção.
Bolsonaro claramente sequer compreende o significado da palavra corrupção, e o seu compromisso eleitoral em combatê-la, se em algum momento foi verdadeiro, se referia apenas à corrupção dos outros. E mesmo esse compromisso acabou quando foi descoberto o esquema familiar da rachadinha. Não bastassem suas próprias palavras em relação ao seu desejo de matar a Lava-Jato, Jair Bolsonaro tem ainda demonstrado reiteradamente sua falta de compromisso com todas as promessas de campanha.
Assim, salvo a aprovação da reforma da Previdência — que lhe foi imposta goela abaixo —, todos os seus atos na Presidência da República têm tido como objetivo apenas a sua sobrevivência e a da sua família, seja ao se aproximar do Centrão e evitar um processo de impeachment, seja livrando seus filhos das ameaças da prisão. E nisso a Lava-Jato incomodava, pois a investigação representa ainda para boa parte da população o que Bolsonaro mais teme: a responsabilização criminal dos poderosos.
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