Do editorial do Estadão:
O presidente Jair Bolsonaro alargou os limites do seu descaso pela saúde pública, já bastante elásticos, ao ensejar uma campanha contra uma vacina que ainda não existe. Diante de um grupo de apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada na noite de segunda-feira passada, Bolsonaro disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Esta foi a resposta do presidente a uma senhora que lhe pedira para “não deixar fazer esse negócio de vacina, não”, pois “isso é perigoso”. O “perigo”, no caso, é a vacina contra o novo coronavírus, a última esperança de bilhões de pessoas no mundo inteiro para acabar com uma pandemia que já matou 850 mil pessoas nos cinco continentes, mais de 122 mil no Brasil.
É um descalabro. Primeiro, a resposta de Jair Bolsonaro deveria ter sido outra, haja vista que sim, o Estado tem o poder de obrigar os cidadãos a serem vacinados. Um programa de imunização é, antes de tudo, uma questão de saúde pública, de proteção coletiva contra patógenos, muitos deles mortais, e não uma questão de escolha individual. É algo tão elementar que nem sequer deveria ser escrito. Mas reafirmar obviedades é típico desses tempos estranhos.
A Constituição determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “é obrigatória a vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O Código Penal define como crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Por fim, a Lei 13.979/2020, sancionada pelo próprio presidente Bolsonaro em fevereiro, estabelece a vacinação como uma das medidas compulsórias à disposição do Estado para o enfrentamento da pandemia de covid-19.
Mas como o presidente ignorou esse arcabouço jurídico, ao menos o absurdo deveria ter ficado circunscrito ao cercadinho do Alvorada, onde se reúne a sua claque, e não ter ganhado a projeção que ganhou após a infeliz frase de Bolsonaro ter ido parar em uma imoral campanha institucional da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) no Twitter.
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